terça-feira, 2 de junho de 2015

Dia 17



Na manhã do dia seguinte levantei cedo, despertado pelo forte calor que fazia na cidade. Como na noite anterior havia chegado tarde ao hostel, acabei pegando a cama mais alta do quadriliche (nem sei se a palavra existe!), ficando acima do nível do ventilador de teto, praticamente num forno. Pela primeira vez em toda a viagem tirei minhas bermudas da mochila e guardei minhas blusas de frio, usadas em todos os momentos até então. Como faz calor em Buenos Aires nessa época do ano!

De imediato tomei uma ducha gelada e na sequência, meu café da manhã. Comi muito bem, pois nenhum hostel pelos quais passei tinham desayunos tão bons quanto este. Depois de muito bem alimentado, desci para a área de convívio e me pus a escrever este diário. Logo os outros hóspedes foram despertando e em alguns minutos já estavam por ali comigo. Entre um cigarro e outro passei a conhecê-los. Conversei a manhã toda com Miguel (Venezuela), Mary (Colômbia) e Rob (Holanda). Conversamos sobre muitas coisas peculiares de cada país, aproximando as culturas, apontando as diferenças e, sobretudo semelhanças marcantes entre os povos. Nessa conversa pude tomar conhecimento de aspectos interessantes do panorama venezuelano, por exemplo, algo que seria dificílimo aprender simplesmente pelos meios midiáticos tradicionais (pra não dizer impossível).

Miguel comentou, dentre outras coisas, que o governo concede às pessoas que tem cartão de crédito uma espécie de incentivo anual de três mil dólares para que essas pessoas possam viajar a outros países. Não compreendi muito bem o porquê o governo empreende tal prática e lhe questionei, dizendo-me ele que como o câmbio é restringido pelo governo (havendo assim uma diferença brutal entre o câmbio oficial e o câmbio paralelo), essa seria uma forma de flexibilizar tal prática. Disse ainda que algumas pessoas utilizam-se de tal prática do governo para fazer dinheiro, fazendo cartões de crédito junto aos bancos, recebendo assim tal subsídio e podendo viajar à outros países, como a Argentina, por exemplo. Uma vez fora da Venezuela, ao invés de desfrutar de sua viagem ficam restritos a um hostel sem ao menos sair para conhecer nada, a fim de gastar o mínimo possível, retornando à Venezuela com dinheiro no bolso e podendo fazer o câmbio extra oficial a valores altíssimos. Aqueles que adotam essa prática são conhecidos como raspadores de tarjeta. Muito curiosa essa situação!

Miguel também me disse que existem àquelas pessoas que se aproveita de tal situação para conhecer outras culturas e outros países, como é o seu caso. Creio que isso esteja ligado ao nível de instrução dessas pessoas e aos interesses econômicos de cada família. É normal que uma pessoa com uma situação financeira estável se valha de uma viagem para desfrutar, enquanto outra, que vive com certa dificuldade em seu país de origem, faça isso a fim de levantar algum dinheiro para adquirir algum bem em seu regresso. Enfim, muito interessante essa conversa, pois, dentre outras coisas, falamos de democracia, importância de participação popular nas discussões político econômicas, etc. Muito bom poder ter esse contato com realidades distintas, e de certa forma, expor a minha realidade. São momentos como esses que fazem uma experiência como a que estou vivendo fascinante.

Depois dessa manhã repleta de troca de ideias, fui ao apartamento de Anita para encontrá-la. Ela estava a resolver alguns assuntos pessoais por meio do Skype. Antes de partirmos para o rolê, Anita nos assegurou convites grátis para uma balada (boliche, como dizem por aqui) mais tarde. Haveria uma apresentação de um amigo seu num local chamado “Konex”. O destino da tarde seria ir até a tal Calle Florida fazer câmbio de moeda. Andamos bastante pela rua, entrando em lojas, vendo preços, enfim, um role que não me agrada muito.

Na Argentina, destaco a falta de trato dos lojistas para com os turistas. Em quase todas as lojas pelas quais passei me diziam que revistariam a minha mochila quando eu fosse sair, um absurdo! Como se eu fosse meter alguma coisa dentro e sair andando, mesmo com vários seguranças caminhando pelo interior da loja. Enfim, confesso que isso me incomodou muito, a ponto de eu nem entrar mais nas lojas, preferia aguardar por Anita do lado de fora.

Observando os preços, não notei diferença circunstancial para alguns produtos. Como curiosidade, destaco o preço das havaianas, custam cerca de R$ 40,00 por aqui. Como esqueci as minhas no hostel em Puerto Natales (só me dando conta disso dias depois, em Chaltén), saí com a intenção de comprar uma. Depois de ver os preços, desisti da ideia, compro no meu regresso ao Brasil, pela metade do preço. Depois de muito pesquisar, conseguimos câmbio a 4,10. Impressionou-me a quantidade de pessoas que empreendem essa prática. Escutei a palavra “câmbio” um milhão de vezes. Trocamos nossa grana com um cara chamado André, baiano, numa banca de revistas. Depois disso continuamos nossa caminhada pelo calçadão.

Encontramos exposta na praça a taça da Copa América 2015, a ser realizada no Chile. É claro que pedi a Anita que tirasse uma foto minha ao lado do troféu. Seguimos andando e pedi que Anita me desse uma dica de um presente feminino genuinamente argentino, ou melhor, porteño. Fui orientado a comprar alguns pares de alpargatas. Como não sabia qual numeração comprar, Anita contactou minha irmã Carol por whatsapp, resolvendo essa questão. Ponto pra tecnologia (que nesse momento já ganha de goleada) e pro conceito de Anita, que diz ser um dos grandes problemas da humanidade a falta de comunicação. Depois de muito caminhar encontramos as tais alpargatas por um preço bom, mas a loja já estava fechada.

Sendo assim, como já me encontrava faminto, resolvemos comer alguma coisa por ali mesmo. Comi uma milanesa de vacuno con guarnición de papas fritas, e Anita, como de costume ficou na salada. Assim que terminamos fomos até uma loja que Anita tinha visto uma sandália que queria comprar. Mais uma dessas modas argentinas (uma sandália com um solado grossão, feio pra caralho, mas que 9 entre 10 argentinas usam atualmente). A vendedora, Daiana, foi muito simpática. Conversamos por algum tempo enquanto Anita se decidia.

Já perto das 20h00min, decidimos ir para a tal apresentação do amigo de Anita, que havia nos presenteado com dois convites. O nome do grupo é “La bomba de tiempo”, uma espécie de percussão em tambores, uma parada bem latina que se assemelha a um Olodum. Legalzinho até o ritmo dos caras! No local pude observar exemplares clássicos da classe média portenha (uma vez que não são todas as pessoas que pagam 90 pesos para entrar numa balada e 70 pesos numa cerveja). No local também era consumida muita maconha, chamada de “porro” pelos caras, de péssima qualidade diga-se de passagem. Findada a apresentação, resolvemos partir.

Na volta pra casa, antes de pegar o bus, paramos numa sorveteria. Nesse estabelecimento tive mais um exemplo da péssima forma de atender um cliente. Anita pediu o seu sorvete (30 pesos) e pagou com uma nota de 100 pesos. O caixa, embora não tenha gostado muito, deu o troco. Na minha vez de pagar fiz a mesma coisa, pedi o sorvete de 30 pesos e me propus à pagar também com uma nota de 100. O atendente do caixa de imediato disse que não teria troco, de cara fechada, esbravejando, e já chamando o próximo da fila. Logo disse a ele que não queria mais nada e agradeci, puto da cara. Nesse momento veio um outro atendente e disse que eu poderia tomar o sorvete e pagar depois, quando terminar, havendo assim tempo para que outros clientes pagassem por seus gastos. Eu estava tão puto da cara com a sequência de atendimentos ruins que nem me dei conta disso. Anita, que estava mais calma que eu, percebeu a boa intenção do outro atendente e me alertou.

Dessa forma, pegamos nossos sorvetes e nos sentamos fora da loja. Quando terminamos fui pagar o meu pedido, já mais calmo, e fui surpreendido pelo cara do caixa, que se negou a receber meu dinheiro, dizendo que aquele gelado seria por conta da casa, uma cortesia. Insisti em pagar uma vez, não mais que isso! Seu patrão deve estar com os bolsos cheios e com certeza aquele sorvete não seria pago pelo tal funcionário. Assim, fomos pegar o bus de volta à Palermo. Como não estávamos bem certos de qual colectivo tomar, paramos numa confeitaria para perguntar. Uma senhora nos viu perguntando ao caixa do estabelecimento e veio até nós dizendo: “Desculpem, eu sou de Palermo, o ônibus é esse!”, nos apontando o ônibus correto.

Na mesma mesa que ela estava outra senhora, Adriana, que ao ver que éramos brasileiros pediu para conversar um pouco conosco, pois, segundo ela, sabia falar português, mas há tempos não praticava. A senhorinha era linguista, falava espanhol, português, francês e alemão. Disse-nos ter trabalhado no consulado argentino em Berlim, durante muito tempo. O seu português de fato era muito bom e fluente, tirando o leve sotaque que carregava. Despedimo-nos e fomos embora.

Chegando ao hostel eu conheci Catarina, uma portuguesa que trabalhava na recepção. Conversamos um pouco, em português, e paguei a segunda diária. Tomei um banho e conversei um pouco com a galera que estava por ali. No andar de cima, outra galera fazia um assado que cheirava muito bem. Apesar de ter sido convidado, preferi ficar no andar de baixo mesmo, pois não tinha fome. Passado algum tempo, todos desceram e sentaram à minha volta ali embaixo, e foram logo me oferecendo suas cervejas. Confraternizamos até umas 3 da manhã, quando todos fomos dormir.
- cartão "sube" (transporte): 25 pesos
- carga no cartão: 50 pesos
- restaurante: 115 pesos
- 2ª diária do hostel: 133 pesos
Tony Montana na Calle Florida

Calle Florida, Buenos Aires

Área de convívio do Play Hostel




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