No domingo levantei cedo, as
08h30min. Era 1º de março e haveria a abertura dos trabalhos do ano de 2015 no
Congresso Nacional, onde seria manifestado um forte apoio à Cristina Kirchner.
Eu tinha de estar presente nesse ato, seria uma oportunidade única para
perceber uma fração da política argentina, como ela se manifesta nas ruas, nas
pessoas, na sociedade de modo geral. No momento, era muito discutida nos meios
de comunicação de Buenos Aires, uma possível participação de Cristina na morte
do promotor federal Alberto Nisman, que há tempos vinha fazendo acusações ao
governo kirchnerista.
Tomei um banho, preparei um café
e me mandei pro Congresso. A casa onde estava hospedado ficava muito próxima do
local do ato, cerca de duas quadras, não mais que isso. Na saída do prédio já
pude perceber que o ato seria algo grandioso, pois estava numa rua adjacente ao
Congresso e esta já estava tomada pela população. Bandeiras, batuques, rojões,
tudo isso utilizado pelos mais variados grupos da sociedade civil organizada,
tais como: sindicato dos motoristas de táxi de Buenos Aires, sindicatos dos
operadores de trem, sindicato dos caminhoneiros, movimentos de luta social
vinculados a bairros, organizações estudantis, entre outros.
Apesar de estes segmentos
ocuparem grande parte da massa que tomava a Praça de Maio e seus entornos,
havia também forte presença de “cidadãos comuns”, que assim como eu,
acompanhavam o ato. Não da mesma forma, é verdade! Eu, um simples turista pondo
em prática o ofício de cientista social. Eles, pessoas que vivenciavam aquele
clima no dia a dia, nas discussões de bar, nos programas de rádio, nos seus
empregos, enfim, na sua vida. Muitos idosos que aparentemente tinham lá seus 60
anos ou mais participavam do ato, muitos deles acompanhados de suas esposas,
sentados no gramado da praça. Alguns deles faziam do ato uma verdadeira festa,
levando cestas recheadas de comes e bebes, os quais saboreavam sentados onde
conseguiam se acomodar.
Havia também forte presença de
jovens e até de crianças, que acompanhadas por seus pais desde cedo aparentavam
compreender a importância da participação popular na política do país. Assim
como aqui, muitas das pessoas usavam camisas da seleção argentina de futebol,
talvez como uma associação ao patriotismo (por mais chula que seja tal
aproximação). Quem sabe se as denúncias da FIFA tivessem vindo à tona naquele
momento, essas pessoas escolheriam outro tipo de símbolo nacional para
expressar seu patriotismo. Pouco provável, creio eu!
Como cheguei cedo, por volta das 09h30min,
tive tempo de caminhar bastante pelo local, tirando fotos e tentando compreender
um pouco do sentimento que impulsionava aquelas pessoas às ruas, numa demonstração
gratuita de apoio a chefe de Estado. No sistema de som montado, vinculados a
enormes telões montados por todo o local, tocavam canções que todos sabiam as
letras e cantavam em
uníssono. Não precisava ser nenhum especialista na língua
espanhola pra compreender que se tratava de canções de cunho político, bastava
ver a forma emocionada com que as pessoas entoavam tais canções.
Por volta do meio-dia, quando o
telão passou a mostrar um helicóptero pousando na Casa Rosada (localizada no outro
extremo da praça), a multidão passou a gritar e aplaudir, era Cristina Kirchner
chegando para seu discurso, que duraria cerca de três horas e quarenta minutos.
Desceu do helicóptero, acenou para a população e entrou num carro oficial, que
a levaria até o Congresso, no lado oposto da praça, escoltada por batedores da
polícia, ao longo dos 500
metros que separavam um extremo e outro da praça.
O início do discurso, de dentro
do Congresso, sendo transmitido a todos os canais de TV da Argentina (em
caráter obrigatório), foi marcado pelo hino nacional. Impossível não se
emocionar nesse momento. Registrei tal passagem por meio de um vídeo (que,
aliás, não passa a mesma emoção de estar presente ali no meio da multidão).
Depois de algumas formalidades, Cristina passou a discursar sobre as conquistas
obtidas nos anos de seu mandato. Entre outras coisas, falou sobre a redução da
dependência do capital internacional, fortalecimento de empresas nacionais de
aviação, como a Aerolíneas Argentinas
por exemplo, que passou a operar novas rotas, com novas aeronaves, redução
substancial da dívida externa argentina, redução da pobreza no país, etc. Em
alguns momentos era fácil identificar políticos da oposição, pois a cada vez
que eram mostrados no telão recebiam uma enormidade de vaias e
xingamentos.
Por volta das 14h00min começou
uma chuva que a princípio era leve, e foi ganhando força com o passar do tempo.
A grande maioria da população não arredou o pé. Muitos já estavam até
preparados com seus guarda-chuvas e capas plásticas. Eu, totalmente
despreparado, me rendi à chuva e ao frio. Sendo assim, fui embora, em etapas. Era tanta
gente que dominava o local, que levei cerca de quarenta minutos pra conseguir
sair do meio do alvoroço, não antes de comer uma hamburguesa preparada ali mesmo, na praça.
Chegando em casa, tirei as roupas
molhadas, tomei um banho e dormi um pouco. No fim da tarde tive a oportunidade
de assistir na TV parte do clássico que seria disputado naquele dia, o “Clássico de la Plata”, entre Estudiantes x Gimnasia. Assistindo ao
jogo, junto com Gonzalo, conversamos um pouco sobre as minhas impressões do ato
que havia acompanhado. Aproveitei para tirar algumas dúvidas a respeito de
situações que havia visto na praça, mas que não tinha compreendido direito,
devido à ausência de vivência política no contexto argentino.
Depois de muita conversa, Gonzalo
e eu fomos jogar uma bola com seus amigos. Gonzalo já havia me convidado no dia
em que cheguei na casa. O local era semelhante ao que já havia jogado na
oportunidade anterior, com Filipe. Quadras de grama sintética, no tamanho de
uma quadra de futsal, situadas embaixo de um dos vários viadutos da cidade. Depois de algumas canetas e boas jogadas, finalmente um dos
hermanos me jogou no alambrado numa disputa de bola, rs! Não poderia esperar
outra atitude. Chego na “casa” dos caras, como convidado, e ainda quero
deitar?!
Terminada a pelada, eu e Gonzalo
voltamos caminhando pra casa, não era longe. No caminho paramos numa pizzaria e
depois de alguma espera, conseguimos uma pizza e levamos pra casa. Depois de
jantar, tomei um banho e fui deitar.
- Hamburguesa: 20 pesos
- Pizzaria Continental: 150 pesos
- Futebol: 30 pesos