sexta-feira, 3 de julho de 2015

Dia 23



No domingo levantei cedo, as 08h30min. Era 1º de março e haveria a abertura dos trabalhos do ano de 2015 no Congresso Nacional, onde seria manifestado um forte apoio à Cristina Kirchner. Eu tinha de estar presente nesse ato, seria uma oportunidade única para perceber uma fração da política argentina, como ela se manifesta nas ruas, nas pessoas, na sociedade de modo geral. No momento, era muito discutida nos meios de comunicação de Buenos Aires, uma possível participação de Cristina na morte do promotor federal Alberto Nisman, que há tempos vinha fazendo acusações ao governo kirchnerista.



Tomei um banho, preparei um café e me mandei pro Congresso. A casa onde estava hospedado ficava muito próxima do local do ato, cerca de duas quadras, não mais que isso. Na saída do prédio já pude perceber que o ato seria algo grandioso, pois estava numa rua adjacente ao Congresso e esta já estava tomada pela população. Bandeiras, batuques, rojões, tudo isso utilizado pelos mais variados grupos da sociedade civil organizada, tais como: sindicato dos motoristas de táxi de Buenos Aires, sindicatos dos operadores de trem, sindicato dos caminhoneiros, movimentos de luta social vinculados a bairros, organizações estudantis, entre outros.



Apesar de estes segmentos ocuparem grande parte da massa que tomava a Praça de Maio e seus entornos, havia também forte presença de “cidadãos comuns”, que assim como eu, acompanhavam o ato. Não da mesma forma, é verdade! Eu, um simples turista pondo em prática o ofício de cientista social. Eles, pessoas que vivenciavam aquele clima no dia a dia, nas discussões de bar, nos programas de rádio, nos seus empregos, enfim, na sua vida. Muitos idosos que aparentemente tinham lá seus 60 anos ou mais participavam do ato, muitos deles acompanhados de suas esposas, sentados no gramado da praça. Alguns deles faziam do ato uma verdadeira festa, levando cestas recheadas de comes e bebes, os quais saboreavam sentados onde conseguiam se acomodar.



Havia também forte presença de jovens e até de crianças, que acompanhadas por seus pais desde cedo aparentavam compreender a importância da participação popular na política do país. Assim como aqui, muitas das pessoas usavam camisas da seleção argentina de futebol, talvez como uma associação ao patriotismo (por mais chula que seja tal aproximação). Quem sabe se as denúncias da FIFA tivessem vindo à tona naquele momento, essas pessoas escolheriam outro tipo de símbolo nacional para expressar seu patriotismo. Pouco provável, creio eu!



Como cheguei cedo, por volta das 09h30min, tive tempo de caminhar bastante pelo local, tirando fotos e tentando compreender um pouco do sentimento que impulsionava aquelas pessoas às ruas, numa demonstração gratuita de apoio a chefe de Estado. No sistema de som montado, vinculados a enormes telões montados por todo o local, tocavam canções que todos sabiam as letras e cantavam em uníssono. Não precisava ser nenhum especialista na língua espanhola pra compreender que se tratava de canções de cunho político, bastava ver a forma emocionada com que as pessoas entoavam tais canções.



Por volta do meio-dia, quando o telão passou a mostrar um helicóptero pousando na Casa Rosada (localizada no outro extremo da praça), a multidão passou a gritar e aplaudir, era Cristina Kirchner chegando para seu discurso, que duraria cerca de três horas e quarenta minutos. Desceu do helicóptero, acenou para a população e entrou num carro oficial, que a levaria até o Congresso, no lado oposto da praça, escoltada por batedores da polícia, ao longo dos 500 metros que separavam um extremo e outro da praça.



O início do discurso, de dentro do Congresso, sendo transmitido a todos os canais de TV da Argentina (em caráter obrigatório), foi marcado pelo hino nacional. Impossível não se emocionar nesse momento. Registrei tal passagem por meio de um vídeo (que, aliás, não passa a mesma emoção de estar presente ali no meio da multidão). Depois de algumas formalidades, Cristina passou a discursar sobre as conquistas obtidas nos anos de seu mandato. Entre outras coisas, falou sobre a redução da dependência do capital internacional, fortalecimento de empresas nacionais de aviação, como a Aerolíneas Argentinas por exemplo, que passou a operar novas rotas, com novas aeronaves, redução substancial da dívida externa argentina, redução da pobreza no país, etc. Em alguns momentos era fácil identificar políticos da oposição, pois a cada vez que eram mostrados no telão recebiam uma enormidade de vaias e xingamentos.   



Por volta das 14h00min começou uma chuva que a princípio era leve, e foi ganhando força com o passar do tempo. A grande maioria da população não arredou o pé. Muitos já estavam até preparados com seus guarda-chuvas e capas plásticas. Eu, totalmente despreparado, me rendi à chuva e ao frio. Sendo assim, fui embora, em etapas. Era tanta gente que dominava o local, que levei cerca de quarenta minutos pra conseguir sair do meio do alvoroço, não antes de comer uma hamburguesa preparada ali mesmo, na praça.



Chegando em casa, tirei as roupas molhadas, tomei um banho e dormi um pouco. No fim da tarde tive a oportunidade de assistir na TV parte do clássico que seria disputado naquele dia, o “Clássico de la Plata”, entre Estudiantes x Gimnasia. Assistindo ao jogo, junto com Gonzalo, conversamos um pouco sobre as minhas impressões do ato que havia acompanhado. Aproveitei para tirar algumas dúvidas a respeito de situações que havia visto na praça, mas que não tinha compreendido direito, devido à ausência de vivência política no contexto argentino.



Depois de muita conversa, Gonzalo e eu fomos jogar uma bola com seus amigos. Gonzalo já havia me convidado no dia em que cheguei na casa. O local era semelhante ao que já havia jogado na oportunidade anterior, com Filipe. Quadras de grama sintética, no tamanho de uma quadra de futsal, situadas embaixo de um dos vários viadutos da cidade. Depois de algumas canetas e boas jogadas, finalmente um dos hermanos me jogou no alambrado numa disputa de bola, rs! Não poderia esperar outra atitude. Chego na “casa” dos caras, como convidado, e ainda quero deitar?!



Terminada a pelada, eu e Gonzalo voltamos caminhando pra casa, não era longe. No caminho paramos numa pizzaria e depois de alguma espera, conseguimos uma pizza e levamos pra casa. Depois de jantar, tomei um banho e fui deitar.

- Hamburguesa: 20 pesos

- Pizzaria Continental: 150 pesos

- Futebol: 30 pesos